outubro 03, 2011

As "verdades" que todos conhecemos

Fez furor, a entrevista do Senhor Rastani na BBC. Veio-se depois a saber que afinal o senhor Rastani nao era o especialista que a BBC apresentava, mas sim um investidor amador que foi convidado por engano pela TV a mandar umas bitaitadas em directo.

(O erro nao e o primeiro - nem sequer o segundo, o que nao abona muito a favor da credibilidade da BBC nos dias que correm...).

O problema, e que o senhor Rastani veio dizer para a TV aquilo que toda a gente "sabe". Finalmente, estava ali na televisao um especialista, que afirmava preto no banco e com a maior naturalidade o que toda a gente da como adquirido.

Face a descoberta que afinal o especialista de especialista nao teria nada, ficou a mensagem. Qualquer ataque ao mensageiro - afirmam-nos - e errado, pois nao contraria a mensagem.

Discordo em grande parte: se apresentaram o senhor Rastani como especialista, nao o sendo, seria o seu dever afirma-lo peremptoriamente antes de prosseguir. Feito essa ressalva, sim, claro, mandar a laracha e dar o seu melhor. Nao o fazendo, fere de morte a bondade da sua apreciacao, pelo que e criticavel. Mas parece que o apego a verdade nao e o forte do senhor Rastani...

Mas, mesmo que o mensageiro desapareca no eter em desgraca a verdade e que a mensagem permanece resplandecente como verdade imaculada. Assim, torna-se importante analisa-la pelo seu merito.

Nota previa (I): O que se segue nao vem de um especialista - nem a transcricao, nem os comentarios do senhor Rastani, nem a minha replica. Sou tao amador em termos economicos como ele. A diferenca, e que eu tentarei fundamentar os meus argumentos.


Nota previa (II): Como onde me encontro tenha bloqueado o streaming, nao posso ver a entrevista para analise. Assim, baseio-me na transcricao que obtive aqui.

Analisemos entao. Olhando para as transcricoes, podemos observar que o senhor Rastani comeca por dizer banalidades, passando para a asneirada com uma velocidade desconcertante.

As banalidades, obviamente, nao foram a causa da controversia:
  • Os mercados estao regidos actualmente pelo medo. Ouvimos isto todos os dias. Mas nada descreve tao eloquentemente este facto como um idice de volatilidade dos mercados como o VIX, por exemplo.
  • Os hedge funds nao acreditam na recuperacao da crise. Isto decorre da definicao de hedge fund. A base dos hedge funds e um mercado com tendencia descendente, ou pelo menos, em estado de crise.
  • Os investidores estao a mover o dinheiro para activos mais seguros. Com a volatilidade dos mercados financeiros (geridos pelo medo), os investidores viram-se naturalmente para activos mais estaveis. O corolario e o aumento do preco das commodities como os metais preciosos e materias primas (o ouro atinge precos historicamente altos, inclusivamente gerando dificuldades no sector da joalheria). Note-se que a partir do momento em que os mercados estabilizarem, o dinheiro e quase automativamente transferido de novo das commodities para os (bem mais rentaveis) mercados financeiros.
O que  realmente causou espanto no mundo e fama ao senhor Rastani foram tres afirmacoes:
  • Os traders nao querem saber do estado da economia nem dos planos do mundo politico. Nao duvido que o senhor Rastani acredite piamente nisto - alias, isso ajuda a explicar o sucesso modesto do seu investimento. Mas e evidente que um bom investidor, para reconhecer onde possam estar as boas oportunidades de investimento, necessita de conhecer tanto o estado da economia, como as decisoes do poder politico. Mas, caro leitor, nao confie no que digo, olhe para os dados Nao lhe sera dificil encontrar exemplos.
  • Os investidores sonham com uma depressao para ganhar dinheiro. E verdade que alguns investidores ganharam com a crise (como alguns ganham sempre com as desgracas dos outros). Mas nao tenhamos ilusoes: os investidores perderam muito dinheiro com a crise, tal como as empresas, e em consequencia, a economia mundial.
  • Os governos nao mandam no mundo, a Goldman Sachs manda no mundo. Por tudo o que disse atras, esta afirmacao nao pode estar correcta. A dimensao do erro desta ideia e eloquentemente descrita (por exemplo) aqui
Curiosamente, o proprio discurso auto-contradiz ("sonha com a recessao", mas "evita sonhar com a economia, pelos pesadelos"). No entanto, nao deixa de um conselhos de grande utilidade.

  • As pessoas devem proteger activamente os seus activos. Nao agir e um grande risco. Num contexto de grande incerteza, investir com cuidado os recursos disponiveis e, de facto um conselho especialmente sabio. Priveligiar aforro sobre  divida. E, muito importante, nao contar com rendimentos futuros. Continuar estilos de vida despesistas e arriscar o desastre.
Em jeito de conclusao, as "verdades" que todos conhecemos por vezes nao passam de pulsoes emocionais de racionalizar o nosso medo e a incerteza do mundo que nos rodeia. Convem, assim , correlacionar afirmacoes com factos, tentando manter uma analise fria dos acontecimentos. E preferir dar credito a quem fundamenta as suas opinioes, em detrimento de quem manda umas larachas insubstanciadas...