junho 18, 2009

Irão: Luta pela Democracia, ou golpe de Estado?

Ao contrário da percepção que aparentemente o mundo internacional tinha - talvez, instigada por interesses ocidentais - a República Islâmica do Irão é, apesar da complexidade do seu sistema, uma democracia.

Uma democracia com laivos ditatoriais, é certo, mas com uma característica quase ímpar a nível das Democracias Islâmicas: os resultados eleitorais, sempre foram consideradas fidedignas - e, como tal, um obstáculo à retórica ocidental de classificação como "eixo do mal".

Afinal, a ditadura, e opressão do povo iraquiano foi a única razão ocidental que ficou em pé das ruínas de Bagdad. Tal não se aplica ao Irão, onde a política do país é avaliada pelo seu povo e sufragada em eleições reconhecidas internacional como legítimas.

O peso dos acontecimentos que nos chegam é, portanto, grande: a falta de credibilidade dos resultados eleitorais apurados mina seriamente a capacidade negocial do Irão na cena internacional, e justifica eventuais ataques ocidentais ao país, encapotados de libertação democrática. Mesmo que tal não pareça estar na agenda do presidente americano, o facto é que o legado do primeiro mandato de Ahmmadinejad é o de um país extremamente fragilizado no panorama internacional, em consequência da sua insistência em não clarificar o programa nuclear.

Da parte ocidental, o desejo de ver o senhor Ahmadinejad fora da cadeira do poder é evidente: a mudança de liderança política permite ter esperança num desanuviar de tensões que permita ao Irão renegociar a questão nuclear, ou mesmo uma suavização da agressividade perante a questão israelita - incluído o financiamento iraniano a organizações consideradas terroristas como o Hamas e Hezbollah. Tudo posições que o senhor Moussavi, o principal candidato derrotado, admitia tomar em caso de vitória.

O facto, é que os resultados eleitorais não foram favoráveis aos interesses ocidentais.

No entanto, a reacção da oposição aos resultados - extemporânea, inédita mesmo, no mundo islâmico, principalmente se considerarmos que estamos a falar de um país extremamente controlado e reprimido como o Irão - deixou todos os observadores internacionais de boca aberta, e o regime da República hesitante.

Para espanto de todos, a acusação de fraude eleitoral não parece ficar abafada debaixo de um qualquer édito governamental. Haja investigação às queixas, e uma recontagem de votos.

Nas ruas de Teerão, as demonstrações de descontamento sucedem-se apesar da neblina de gás lacrimogéneo e das balas das milícias que tentam desmobilizar a multidão. O regime treme e vacila.

É extremamente difícil saber qual a realidade dos acontecimentos. Será que, como com certeza todo o mundo ocidental deseja, os resultados são fraudulentos; as manifestações de rua representam a luta justa de um povo que exige que a sua palavra seja respeitada? Ou, por outro lado, tudo não passa de uma manifestação de descontentamento e mau perder de uma casta elevada da sociedade (culturalmente superior mas minoritária nas urnas), e os resultados obtidos, mesmo que com o desconto de fraude aqui ou ali, traduzem o sentido de voto democrático do país?

As potências ocidentais parecem não se comprometer com nenhuma posição relativamente ao assunto, mas lá vão dizendo que as alegações têm que ser apuradas, esperançadas é certo que a mudança de rumo político se verifique.

A realidade é que os dados recolhidos por organizações independentes sugerem que os resultados estarão certos, e a vitória pertença de facto a Ahmadinejad (ver também aqui e aqui).

Mas, há uma complexidade adicional: as manobras de bastidores dentro do próprio regime parecem indicar que a margem de manobra do presidente iraniano cessante se encontra muito próxima do fim, e que inclusivamente uma mudança de governação é agora vista com bons olhos. Some-se isto, à pressão internacional e à das ruas, e tem-se uma situação verdadeiramente impossível de prever.

Mas, dela, muita coisa estará em jogo.

Com ou sem legitimidade, o vencedor desta gravíssima crise será o interlocutor com quem a comunidade internacional se terá que entender. E, a forma como os altos poderes do regime lidam com a situação parece indicar que será a conclusão do dossier nuclear que irá determinar quem vai e quem fica no mais algo cargo executivo do país.

Mesmo que o desfecho final seja contrário à vontade do povo.

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