junho 07, 2007

A Republica sem Vergonha

Primeiro, foi o Verbo. Ja assim era na Biblia, assim foi na DREN.

Primeiramente, gostaria de dizer que me abstenho de comentar este caso, de contorcos dantescos (e, pior, pidescos!). Depois, nao tenho nada a certeza e acredito mesmo no contrario, que este texto nao deva comecar aqui na linha temporal. Deveria, provavelmente, comecar bem antes.

Mas gostaria de dizer o que penso do que se tem observado ultimamente, pois penso que nao posso mais ficar calado perante esta situacao que eleva a imundice de um Estado (hesito no "E", em maiuscula) que prega o compadrio abjecto e sem pudor, e desdenha o povo que e a sua base em contornos que fazem lembrar... Nem sei o que!

Nao tenho como descrever um Ministro da Republica que possa vir a publico dizer, perante todo o Pais, que considera inviavel a realizacao de um aeroporto na margem Sul do Tejo porque:
«Fazer um aeroporto na margem Sul seria um projecto megalómano e faraónico, porque, além das questöes ambientais, não há gente, não há hospitais, não há escolas, não há hotéis, não há comércio, pelo que seria preciso levar para lá milhões de pessoas»
Poderia ser que ate fosse verdade, mas nem que assim fosse uma afirmacao deste calibre seria admissivel. E uma pouca vergonha, uma falta de respeito colossal, um desplante imperdoavel, pelas 718.845 pessoas residentes, abrangendo os concelhos de Almada (161.054 pessoas), Seixal (152.489), Setúbal (114,467), Barreiro (78.555), Moita (67.485), Palmela (53.967), Montijo (39.324), Sesimbra (38.296) e Alcochete (13.208), e pelos outras 6 Milhoes de almas que nao tem o privilegio de viver na toda poderosa capital do imperio, unico recanto de civilizacao deste Pais!

Mas o que eleva a contornos ainda mais surreais foi a impunidade que lhe seguiu. Recusando-se este senhor a pedir desculpas ao Povo (que desculpadas nunca poderiam ter sido), ainda cheio de razao cospe ca para baixo da seguinte forma:
«As pessoas quando não têm argumentos deturpam a realidade. Estávamos a discutir as localizações do aeroporto. Sei muito bem que Almada, Montijo, Setúbal têm gente»
Tem gente! Ele sabe muito bem que tem gente! A Maria Antonieta, que sabia muito bem que havia gente com fome, indignou-se da mesma forma: «Tem fome, comam bolos!», disse ela... Acabou na guilhotina. Nao desejo semelhante destino a ninguem, mas este tipo de comentarios quase me faz pensar de outra forma.

Alias, o desplante e tal que no mesmo dia em que aquele senhor proferia barbaridades, ouve-se o seguinte, de um dos fundadores do partido do governo, ilustre ex-presidente da Assembleia da Republica, Membro do Conselho de Estado, creme de la creme, nata da sociedade, supra sumo da elite politica desta Republica das bananas (e, aparentemente, de cactos tambem!):
«Um aeroporto na margem sul tem um defeito: precisa de pontes. Suponham que uma ponte é dinamitada? Quem quiser criar um grande problema em Portugal, em termos de aviação internacional, desliga o Norte do Sul do País»
Uma ponte dinamitada? Das duas uma: ou esta a gozar connosco, ou sabe qualquer coisa que nenhum de nos outros sabemos. Pelo sim pelo nao, so me verao atravessar o Tejo de Cacilheiro ou em Espanha... Gostaria de saber qual das possibilidades passava pela cabeca daquele senhor, mas temo o pior, que neste caso ate seria o melhor! Peco a todos que evitem as pontes, e que exercam pressao para que as mandem fechar, todas elas, pois o perigo de serem dinamitadas e real e pode acontecer a qualquer momento!

De facto, pode-se dizer que todos estes casos sao vergonhosos, mas o meu descredito e tanto que acabo por classifica-los um pouco como folclore, coisa que nao impacta, mas que doi la bem no fundo do coracao de qualquer cidadao.

Mas infelizmente a coisa nao se fica por aqui. O facto e que somos abusados todos os dias, a todas as horas, sob todos os pretextos e mais alguns, a torto e a direito como se nao houvesse amanha! Poderia aqui comecar a discorrer sobre os impostos, a euribor, a gasolina, o ensino, a justica, o ambiente, o (des)emprego, a reforma, a idade da reforma, a saude, a inflacao, a economia, a flexi-seguranca, as ilegalidades camararias, a licenciatura do Primeiro Ministro, o financiamento das regioes, o Apito Dourado, a Madeleine McCan (que a alguem a encontre, peco-vos - por ela, pelos bravos pais, e por todos nos!), bla, bla bla bla blablablablablablabla e todos e mais alguns blas blas que ficam por dizer!

Mas ha dias em que a gravidade da situacao toca-nos de forma insuportavel. Desta vez nao a mim, directamente. Mas a mim, enquanto cidadao solidario. Gostaria de partilhar com todos vos esta noticia, que li no PortugalDiario:

Morreu no passado sábado à espera da reforma, depois de há um ano lhe ter sido diagnosticada leucemia. Era professora na Escola Básica 2/3 de Cacia, em Aveiro, e, segundo noticia esta quinta-feira o Correio da Manhã, tinha batalhado pela aposentação que ainda não foi oficialmente decretada.

Manuela Estanqueiro, de 63 anos, tinha sido notícia no Correio da Manhã em Fevereiro, quando a Caixa Geral de Aposentações (CGA) a obrigou a regressar ao trabalho, sob pena de perder o vencimento.

Nessa altura, e tal como a própria testemunhou, «os 31 dias de serviço foram um verdadeiro inferno», com desmaios e vómitos diários e o agravamento do seu estado de saúde. Menos de quinze dias depois deu entrada nos Hospitais da Universidade de Coimbra e não voltou a ter alta médica.

Segundo o Correio da Manhã, a filha da professora, Teresa Silva, está revoltada com «a cruz que a fizeram carregar» e não poupa críticas à CGA: «A minha mãe tinha mais de 30 anos de serviço, uma doença incurável e debilitante, e nada ficaria a dever ao Estado se lhe tivessem dado a aposentação».

A filha quer que alguém seja responsabilizado pelo que a mãe foi obrigada a passar nos últimos tempos de vida. «Acho que alguém tem de ser responsabilizado pelo que se passou e apenas desejo que o caso da minha mãe sirva de exemplo para que outras situações, que sei que existem, não tenham o mesmo desfecho triste».

Reforma chegou uma semana antes de morrer, mas não está oficializada

A batalha de Manuel Estanqueiro foi travada com a ajuda da Direcção Regional de Educação do Centro, mas mesmo assim a aposentação só lhe foi concedida uma semana antes da sua morte, apesar de ainda não ter sido publicada em Diário da República.

«A minha mãe viveu os últimos dias constantentemente preocupada com esta situação, que achava de uma injustiça extrema. De tal forma estava atormentada que, quando lhe marcaram nova junta médica em Lisboa, estava ela já internada em Coimbra, queria ir a qualquer custo, nem que fosse de ambulância», lembra ao jornal a filha de Manuela Estanqueiro.

Até ao momento não se verificou qualquer reacção por parte da Caixa Geral de Aposentações.

Peco-vos que reflitam sobre isto, e pensem se este estado de coisas pode continuar. Com mais esta, nao ha o minimo respeito pela condicao mais basica do ser humano enquanto tal, e, enquanto tal, a meu ver, dificilmente poderemos bater em fundo mais profundo.

Nao haveria nunca pedido de desculpas que curasse esta Mae, ou que a traga de volta a sua familia. Agora, nao ha pedido de desculpas que lhe traga, sequer, uma morte digna. Uma morte que, a dois anos da idade da reforma e apos uma luta de um ano contra um cancro, merecia ser tranquila. E uma vergonha, o que se assiste neste pais pequeno, mesquinho, tacanho, sem o minimo de sentido civico ou de solidariedade.

E este o Estado que temos,
«República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária».
Onde estava o Artigo 1.º da Constituicao da Republica Portuguesa quando esta senhora faleceu?

1 comentário:

Anónimo disse...

"Sic transit gloria mundi..."