abril 19, 2009

O apoio

Perguntaram-me outro dia o que achava do apoio decretado por José Sócrates à recandidatura de José Manuel Durão Barroso à Presidência da Comissão Europeia. Respondi na altura, que considerava esse apoio calculista e hipócrita. Os dias que se passaram desde que dei esta resposta até hoje, se bem que poucos, em nada vieram a alterar a minha opinião.

É para mim evidente que o assumir um eventual não apoio a um compatriota na grande cena europeia teria custos eleitorais, e poderia dinamizar as máquinas eleitorais à direita do PS. Como logo a seguir às Europeias virão legislativas e autarquicas, um risco desses poderia desencadear uma sequencia catastrófica de desaires para o Primeiro Ministro. Compreende-ser assim a mordaça colocada ao cabeça de lista do PS, que já tinha assumido não apoiar Durão.

Por outro lado, a própria decisão de apoiar o actual Presidente da CE, também comporta riscos, maiores em número, mesmo que à partida possa parecer que a soma deles todos em conjunto seja inferior.

A saber:

  • Numa perspectiva europeia e não nacional, o apoio de Sócrates afasta de facto votos (muitos dentro do PS e dentro do eleitorado de esquerda) de quem considera outras alternativas à Presidência melhores que Durão Barroso.

    Os destinos da União são, na sua essencia, transnacionais, e, se bem que seja prestigiante ter um nacional no seu comando, o facto é que Portugal perdeu representatividade durante o consulado de Durão Barroso na chefia da UE, e não se prevê que essa perda fique por aqui.

    Durão não tem culpa disso. Mas, evidentemente que as concepções ideológicas dele (porventura vistas como demasiado subservientes dos interesses dos mais poderosos da UE), torna o apoio do PS uma manobra arriscada.

    A este respeito, a esquerda do PS tem-se comportado como se espera, demarcando-se claramente do actual presidente da União Europeia. Será, assim, ao PCP e ao BE, que convergirão os votos dos descontentes do trabalho de Durão Barroso. Parte Sócrates do princípio que os votos perdidos para a esquerda compensarão os votos que deixará de perder para a direita, privando-a de um resultado que fosse prejudicial às suas ambições de reeleição.

  • Claro que outro risco que terá sido concerteza ponderado pelo Sr. Engenheiro, causar desunião dentro do seu próprio partido. A prová-lo, têm sido as afirmações dos sempre rebeldes Manuel Alegre e Ana Gomes, e também do decano Mário Soares, que parece cada mais ter-se fartado do estilo do actual Primeiro-Ministro. As declarações que têm vindo a público, e estalam cada vez mais flagrantemente o verniz do unanimismo reinante no partido de Governo, são mais um sintoma que o clima está a esfriar bastante na máquina eleitoralista do PS, e que qualquer passo em falso poderá ter consequências cada vez mais gravosas para a própria estabilidade do partido.

  • Em seguida, não se pode perceber como pode o apoio a Durão favorecer a posição do PS nacional no Partido Socialista Europeu, estrutura que agrega os socialistas a nivel trans-nacional.

    Estará Sócrates preparado para ir contra o PSE - que, já disse, também apoia uma personalidade alternativa?

    Convém não ignorar que as Europeias também se realizam noutros países, e que a relação de forças resultante nos outros países (não enviezadas por apoios nacionalistas) é que irão decidir de facto quem irá ser o próximo Presidente Europeu!

    Em caso de vitória do PSE sobre o PPE (que não pode ser um cenário afastado à partida), Sócrates ficará entre a espada e a parede: apoiará Durão, sendo fiel à promessa eleitoral, ou dirá o dito por não dito? E se - caso extremo - a relação de forças no Parlamento Europeu for equilibrada o suficiente para que a votação da comitiva portuguesa, e, nomeadamente, dos deputados socialistas portugueses, tenha influência final no resutado?

    Irá Sócrates contra o seu Partido, a sua família europeia, o seu cabeça-de-lista em favor de um adversário que em comum consigo próprio aparentemente só tem a nacionalidade?

  • Terá o PS também de justificar como pode apoiar, segundo eles, quem é o principal responsável pelo estado de coisas actual a nível mundial, quem pactua com os interesses do grande capital, do estado mínimo, desregulação, e da entrega dos serviços públicos a "interesses privados". Claro que para mim isso é tudo treta ideológica e demagógica, mas há muito boa gente que acredita nisso...
Em suma, não percebo como é que o vazio da razão patriótica e eleitoralista não virá ao de cima com o passar de tempo, e como possa deixar de ser castigada pelo eleitorado. No mínimo, parece-me que o nosso Primeiro Ministro caminha em terreno bastante pantanoso. O próprio parece ter-se apercebido disso mesmo, ao "aceitar trazer leitura nacional para as eleições partidárias" - coisa de que ninguém o acusou, e na qual quem tem sido o mais pródigo tem sido justamente o PS (lembram-se de António Guterres?). Só pode ser uma manobra de fumo, para esconder agora e sempre a falta de ideias e de projecto de futuro, quer para Portugal, quer para a União Europeia.

Sem comentários: