maio 29, 2009

Sobre as famílias de acolhimento de menores

Ponto prévio, e esclarecimento devido ao meu ultimo post: Sou apologista convicto de que as crianças devem ser educadas pelos seus pais biológicos, e que a falta de meios financeiros destes não deve constituir motivo para que se lhes retire o poder parental. Pelo contrário, antes deve motivar a sociedade para apoiar os pais que, apesar das dificuldades, decidem ter e educar condignamente os seus filhos.

Infelizmente no entanto, por vezes os pais chegam à conclusão que, em determinada altura da sua vida, pura e simplesmente não têm as condições mínimas de sustentar os seus filhos com o mínimo de dignidade. Nessas alturas, as crianças são invariavelmente (por iniciativa dos pais ou dos serviços sociais) entregues a famílias de acolhimento, que se comprometem a tomar conta das crianças, temporariamente.

A teoria diz-nos que mal os problemas dos pais biológicos que motivaram a entrega das crianças sejam ultrapassados, as crianças lhes sejam restituídas, para que em família possam reconstruir a sua vida em conjunto.

Tudo isto parece muito bem.

O problema, é que o papel que se espera das famílias de acolhimento é especialmente duro de suportar. A elas, está reservada a dura tarefa de dar à inocente criança o apoio que ela necessita, e isso não se resume a cama mesa e roupa lavada. Pelo contrário, envolve principalmente ou pelo menos em iguais termos afectividades, que são as bases indispensáveis de um são crescimento pessoal, intelectual e psíquico.

Assim, mesmo que as famílias de acolhimento saibam que a guarda da criança é temporária, como pode ser esperada delas que abdiquem (muitas vezes repentinamente) de anos de afectos que gratuitamente dispensaram aos filhos de outrem?

Não ignoro que porventura hajam casos em que o acolhimento das crianças não seja feito pelos motivos errados, como seja o acesso dificultado aos mecanismos de adopção. Por outro lado, parece-me também complicado e perigoso escrutinar burocraticamente os laços de genuína solidariedade social que motivam a generalidade do acolhimento de menores.

Escrevo estas linhas motivado pelos desfechos recentes dos casos Esmeralda e Alexandra. Em ambos os casos, a criança foi entregue aos pais biológicos, apesar da oposição levada ao desespero das famílias de acolhimento.

Ignoro os contornos exactos dos casos, e não obstante os rios de tinta que correram na comunicação social, em ambos os casos me pareceu que a argumentação das partes não foi satisfatoriamente transmitida para a opinião pública.

Apesar disso, não deixa de ficar a forte sensação de injustiça, e de que o “superior interesse da criança”, assim salvaguardado na lei, não terá sido o valor primordial nas decisões que motivaram os desfechos destes casos.

A análise (apoiada nesta conclusão - se não real, pelo menos intuída) de que em ambos os casos as instituições - Justiça, Serviços Sociais, Pais, Famílias – terão falhado, parece-me simplista e injusta. Prefiro acreditar que, de acordo com os princípios defendidos teoricamente por todos, tudo terá corrido da forma que tinha que correr, e que o desfecho do processo terá sido o único possível.

No entanto, quando a aplicação de princípios justos leva a desfechos que não “parecem” correctos, deve-se reflectir seriamente se os procedimentos adoptados preservam os ideais defendidos à partida.

Particularmente, acho que falta dar às famílias de acolhimento um papel mais activo na decisão de entrega do poder de paternidade. Parece-me que, mesmo que a decisão de entrega das crianças aos pais biológicos se mantenha, só com o apoio constante das mesmas se podem evitar traumas à criança, que sem duvida perdurarão durante a sua vida. Seguidamente, acharia importante que os serviços de acção social fizessem um acompanhamento efectivo das situações de acolhimento e dos pais biológicos, na tentativa que pais afectivos e biológicos entrem em guerra pela custódia da criança.

Afinal, trata-se de humanizar os serviços para casos que já são dramáticos por si, e não precisam da frieza que lhes é reconhecida.

Ps.: Não obstante manter a minha fé na correcção das decisões finais que foram tomadas, o Juiz que decidiu a entrega da criança russa à mãe biológica, quando confrontado com as imagens da mesma a bater na criança, veio a público dizer algumas coisas que são na minha opinião graves.

Após uma batalha judicial que foi longa, vir dizer que se a mãe biológica ficasse em Portugal a decisão seria outra, é mau, mas não ter uma ideia correcta dos intervenientes –nomeadamente da mãe afectiva - é mau demais para ser verdade. A reflectir também, certamente…

Outro detalhe que vale a pena mencionar: num país em que nos cafés todos são apologistas da palmadinha “pedagógica” (especialmente nos filhos dos outros), só por hipocrisia se pode compreender as expressões de horror desabrido que por aí andam relativamente ao vídeo divulgado. Mesmo, apesar de a cena me parecer claramente excessiva…

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